A relojoaria do MASP – versão revista e ampliada
EDITE GALOTE CARRANZA
RICARDO CARRANZA
O MASP, aos olhos do observador atraído apenas pelo seu aspecto exterior, em um primeiro momento, é uma obra prima da simplicidade: uma caixa de vidro suspensa por dois pórticos vermelhos (figura 1). Dirigindo-se ao interior, o mesmo observador encontrará, no grande salão de exposições, nada mais que obras de arte mergulhadas em transparência. Só com o tempo e o estudo, o edifício revela a sua complexidade como uma caixa de relógio aberta expõe seu mecanismo. Sucesso de público, o MASP alcançou o coletivo e teria se tornado “monumental” [i] como desejara Lina Bo (figura 2).
Sobre o conceito de pórtico que aqui adotamos, segundo o professor Carlos A.C. Lemos, pórtico significa – Trave ou viga horizontal sustentada por dois esteios ou pés direitos. Daí, no linguajar técnico contemporâneo, o emprego da palavra para designar o elemento estrutural, que pode ser articulado, composto de dois elementos trabalhando à compressão que sustentam um terceiro que trabalha à flexão vencendo um vão[ii]
O professor engenheiro José Lourenço Braga Castanho, encarregado dos cálculos do projeto na Figueiredo Ferraz, em entrevista aos autores, comenta que o pórtico do MASP, inicialmente hiperestático, fora ‘cortado’ por ele, convertendo-o em um sistema de articulações móvel e fixa.
Em toda obra de arquitetura encontram-se combinadas três dimensões do conhecimento: técnica – o fazer em uma escala artesanal, tecnologia – princípios científicos aplicados à indústria e arte – comunicação intersubjetiva[iii].
Lina Bo adotou as mesmas dimensões para as vigas intermediárias e superiores, embora as cargas fossem assimétricas, pois as vigas intermediárias suportam dois pavimentos enquanto a viga superior apenas a laje de cobertura, seu vigamento e calhas. Comparadas às vigas intermediárias, as vigas superiores são evidentemente menos solicitadas. Se a arquiteta tivesse um pensamento estritamente utilitário, a viga superior teria sua seção reduzida e a impressão de desequilíbrio, a nosso ver, comprometeria o êxito plástico da obra. Tal critério contribuiu, de forma decisiva, para a harmonia ou Eurritmia[v] entre as partes e o todo.
O MASP, pelas suas articulações e movimentações, é considerado um edifício que respira e, como tudo que vive, exige manutenção. A dignidade de sua vida útil tem recebido o acompanhamento da Figueiredo Ferraz, e na década de 1990 fez-se necessária uma revisão completa na laje de cobertura e pórticos (figura 09). Assim, a carga total da nova impermeabilização passou a 10 kgf/m2, nas palavras do Engenheiro Roberto de Oliveira Alves – bem inferior aos valores atuantes até então, resultado de sucessivas intervenções que ocorreram com o passar dos anos. Resultado este considerável, pois a redução de carga em uma laje de espessura 10 cm é sempre valiosa.
A Figueiredo Ferraz então propôs um reforço no pórtico a fim de conferir a este uma segurança adicional. Em elementos estruturais de grandes dimensões as flechas são esperadas devido a relaxação, no tempo, do aço de protensão. Tais deformações, no caso superiores a L/160, foram absorvidas devido à caixilharia telescópica prevista no projeto original. Os aços utilizados à época da construção do MASP (RN relaxação normal) apresentavam coeficientes de relaxação três vezes superiores aos aços atuais (RB relaxação baixa). A protensão original foi executada por 56 cabos de 36 fios de 5.0mm, introduzindo força inicial total da ordem de 4.000 tf por viga.
O projeto de reforço foi executado com técnica de protensão externa (figura 10). Foram projetados 4 cabos de 12 cordoalhas de 15.2mm, aço CP 190 RB, e força inicial total de 960 tf . Cada cordoalha foi inserida em duto de polietileno de alta densidade preenchido com graxa. As 12 cordoalhas foram introduzidas em bainhas também de polietileno com injeção de nata de cimento (figura 11). Os cabos foram ancorados em blocos de concreto armados ligado às paredes verticais e à base da vigas superiores. Como estas vigas possuem septos transversais a cada 3.50m (figura 12), foram feitas aberturas de passagem aos operários e materiais, e pequenas aberturas para os cabos (figura 13), estes protegidos por desviadores em concreto, evitando contato pontual com a face inferior do furo.
O MASP é uma obra de grande vitalidade e batismo social, é um ícone da cidade de São Paulo e permanece um exemplo de avançada tecnologia associada a um esmero de relojoaria.
[i] Da definição de Lina Bo, na íntegra: “O monumental não depende das ‘dimensões’: o Parthenon é monumental embora sua escala seja a mais reduzida. A construção nazifascista (Alemanha de Hitler, Itália de Mussolini) é elefântica e não monumental na sua empáfia inchada, na sua não lógica. O que eu quero chamar de monumental não é a questão de tamanho ou de ‘espalhafatoso’, é apenas um fato de coletividade, de consciência coletiva. O que vai além do ‘particular’, o que alcança o coletivo, pode (e talvez deve) ser monumental.” Cf. BARDI, Lina Bo. Lina por escrito – Textos escolhidos de Lina Bo Bardi. org. Silvana Rubino e Marina Grinover, São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 126.
[ii] LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira; Corona, Eduardo – Dicionário de arquitetura brasileira, São Paulo, Companhia das Artes, 1998.
[iii] ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
[iv] Em Arquitetura Contemporânea, de Yves Bruand, existe a informação de que os caixilhos estariam assentes sobre colchões de areia (pag.268); a divergência de informações nos parece compreensível por tratar-se de uma obra em parte resolvida durante sua execução no canteiro de obras – via de regra uma característica projetual de Li BO, informação esta que as nossas pesquisas ainda não encontraram respaldo.
[v] Para Vitrúvio: “Eurritmia é a aparência graciosa e o aspecto bem proporcionado dos elementos nas composições. É obtida quando os elementos nas obras são harmoniosos na altura em relação à largura, na largura em relação ao comprimento, todos correspondendo no conjunto à sua proporção” (POLIÃO, Marco Vitrúvio. Da arquitetura. São Paulo: Hucitec, FUPAM, 1999, p. 54)
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REFERÊNCIAS
BARDI, Lina Bo. O novo Trianon, 1957-67. Revista Mirante das Artes e etc, São Paulo, n°.5, set-out, p.20-23, 1967.
_____________. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: coord. Marcelo Suzuki, Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, 1994.
_____________. Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Lisboa: Editorial Blau, 1997.
_____________. Contribuição Propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, 2002.
_____________. Lina Bo Bardi. coord. Marcelo Carvalho Ferraz, 3ª. Ed.. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.Bardi, Imprensa Oficial do Estao de São Paulo, 2008.
_____________. Lina por escrito – Textos escolhidos de Lina Bo Bardi. org. Silvana Rubino e Marina Grinover, São Paulo: Cosac Naify, 2009.
Nota: Este artigo foi publicado primeiramente em Arquitextos - Portal Vitruvius