Casinha: alternativa à tradição
EDITE GALOTE CARRANZA
RICARDO CARRANZA
Adepto da vertente técnica e tecnológica da Arquitetura, Vilanova Artigas lança, com sua Casinha de 1942, o arcabouço embrionário de sua obra futura. Neste projeto se encontram delineados os princípios de sua visão sistêmica na qual a concepção do espaço não existe em abstrato, mas se articula com materiais e técnicas construtivas de tal forma que ultrapassam a percepção direta convertendo-se em símbolo, o que pressupõe imagem interiorizada em uma cadeia de significados.
Na implantação da Casinha, o muro de divisa e a árvore, nas mãos do arquiteto, re-significam o ambiente construído ao estabelecer relações entre casa e cidade, homem e paisagem, superando as limitações mais comuns do binômio programa e lote.
Elegendo a racionalização como diretriz de projeto, Artigas não exclui a tradição mas a reinterpreta através de seus próprios meios. São esquadrias de ferro e madeira, vidros lisos transparentes, pisos de cerâmica nas áreas molhadas, assoalho apoiado em vigas de madeira que, por sua vez, engastam-se na alvenaria portante de um tijolo (transversais e longitudinais alternados) pintada de branco, cobertura de telhas francesas sobre armação de vigas, caibros e ripas apoiados diretamente nas paredes, além de uma meia tesoura na cobertura do alpendre ibérico, forros e beirais tipo macho e fêmea e tabeira de madeira executada com inclinação suficiente para resolver a questão da pingadeira. Também projetou alturas e etapas de execução de alvenarias de tal forma que, sem andaimes ou maquinário, pudessem ser construídas com dois pedreiros sob sua orientação, utilizando não mais que caixotes de frutas sobrepostos.
O telhado da Casinha é outro exemplo dos começos da interpretação técnica da arquitetura conduzida por Artigas. Tendo o agenciamento de funções ao redor de uma torre que abriga coifa do fogão, lareira e o único sanitário, obteve uma maior aderência entre plástica e espaços dos ambientes internos. Adotando beirais de mesma altura a dois metros do piso e espigões alinhados desde os vértices superiores da torre, os quatro panos de cobertura com inclinações diferentes, o que é inusual, bem como seus vértices defasados, o que também é inusual, foram consequência lógica das premissas iniciais. A decisão de projeto, entretanto, exigiu soluções técnicas sempre compatíveis com a economia de meios adotada, o que não foi além, portanto, do ajuste habilidoso do madeiramento de cobertura resolvido sem tesoura – salvo a meia-tesoura já comentada, e de telhas de cumeeira argamassadas. Através desse encadeamento a solução plástica é menos previsível, fato notável quando caminhamos ao redor dessa pequena obra prima.
O projeto da Casinha, com seu programa mínimo e técnicas tradicionais, foi um marco do pensamento do arquiteto que revelou sua sinceridade subjetiva, que corresponde à sinceridade objetiva no emprego dos materiais ao longo de sua vida produtiva, em afirmar: “A partir dela, que foi a primeira vez que fiz e tive coragem de fazer porque era para mim, me libertei inteiramente das formas que vinham vindo”.
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Nota: Em 2013, os autores realizaram levantamento métrico, fotográfico e desenhos de autocad a partir dos originais existentes na FAUUSP.
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