RADICAL RECONSTRUCTION LEBBEUS WOODS
EDITE GALOTE CARRANZA
RICARDO CARRANZA
Nasceu em 1940, Lansing, Michigan. Graduou-se pela Escola Universitária de Engenharia Purdue e Escola de Arquitetura de Ilinois. Recebu uma bolsa para pesquisa arquitetônica, do Conselho de Artes de Nova Yorque, em 1988. Matrícula de Honra do Instituto Americano de Arquitetos como artista e educador em 1991.
Professor Adjunto de Arquitetura da Associação Cooper, Nova Yorque, bem como das Universidades de Carolina do Norte, Houston, Colúmbia e Harvard. Professor de arquitetura na Escola de Arquitetura RIEA em Berna, Suíça. Diretor do Instituto de Pesquisa para Arquitetura Experimental – organização sem fins lucrativos, dedicada ao desenvolvimento da arquitetura mediante a experimentação científica.
We Still Do Not Know What a Building Can Do – Michael Menser
Lebbeus Woods faz parte de uma corrente de arquitetos que busca a expansão do significado da arquitetura através do desenho. Ao mesmo tempo, expande o significado do desenho, em arquitetura, visando a transformação das relações entre idéia, representação e espaço real, como agentes interativos, partes de uma construção material, muito além de suas possibilidades materiais, e , por esta razão, capaz de apresentar novas possibilidades para o espaço real, além de seu espaço de representação. Um ação que despreza a estereotipia do ambiente construído e supera o agendamento histórico, muitas vezes, apenas, agente do autoritarismo. Criação implica isto.
Selecionamos dois capítulos do texto de Michael Menser, que serão publicados em dois números. Esta primeira parte versa, especialmente, por uma possível tradução dos projetos experimentais de Woods. E, nesse aspecto, o trabalho de Menser é admirável, no mínimo, pela coragem. Escrever sobre os projetos de Woods nos parece algo semelhante a uma leitura de Finnegans Wake de Joyce, ação que implica uma postura altamente interpretativa, ou, talvez, demasiadamente.
RECONSTRUÇÃO RADICAL
NÓS AINDA NÃO SABEMOS O QUE UM EDIFÍCIO PODE FAZER
Michael Menser – Departamento de Filosofia, Brooklin College, City University
Umas poucas observações introdutórias e incendiárias
Estes desenhos não são projetos para ser implementados, mas cenários, eventos/cenas erigidos em paisagens povoadas por um processo de decomposição, regeneração, e todos os modos de transformação, violência ou cura. Qualquer tentativa por uma explicação destes trabalhos, deve ser manifesta, mesmo assim, estão fadadas a fracassar. Este livro e estes desenhos, talvez, fracassem. Mas o fracasso não nos preocupa, se fracassar significa impossível. Os trabalhos de Woods são, certamente, problemáticos, mas eles não são imagens fantásticas, embora haja algo de fantasmagórico sobre eles. É necessário escolher um problema cuidadosamente. Qualquer bom problema contém uma impossibilidade. Criação implica isto.
Talvez, os desenhos sejam utópicos, mas não de uma longínqua terra prometida, mas de uma que persiste entre nós, imperceptivelmente distribuída através das ruas das cidades para piers e depósitos, através de tetos esmigalhados e fragmentos flutuando sobre o horizonte. Esta utopia, composta de muitas zonas temporariamente autônomas (fantasmagóricas, efêmeras, prematuras, insurrectas), que surgem e se afastam. O fantasma não é um espírito que assombra uma casa, é um ser que, embora disfarçado ou gasto, vive, oculto, esperando. Durante os fantásticos e absurdos aspectos ocultos da vida diária, o fantasma se solta. Isto me conduz para a primeira proposição: existem potenciais presentes em nossos espaços. Eles devem ser reconhecidos e desenhados a fim de tornar possível a transformações de espaços sóciomateriais. “Reconstrução radical” produz novas estruturas que emolduram as relações nas quais edifícios e espaços operam: a fim de transformar as relações sociais devemos transformar espaço e tempo. O social não está suspenso sobre ele mesmo ou contido dentro de algum espaço físico. O social é um corpo, uma corporificação do espaço.
Os projetos de Lebbeus são experimentais, paradoxais, e autoreferenciados. Sua função é ser o que são: forma física e material, espaço e tempo. – Diana Murcia Soria, Esteban Escrig Villalba, Pablo Sancho Gil, Pilar Martinez Olmos http://www.diana.com.es/lebbeus/
Estes desenhos indicam, iluminam e divulgam crises de todos os níveis: arquitetônicas, políticas, legais, sociais, ambientais, tecnológicas, conceituais, e mais umas poucas que me escapam. Praticamente, em todos estes desenhos, propriedade privada – uma concepção tão central e crucial para construir, tão enraigada em todo aspecto da nossa cultura – torna-se uma fantasia ultrapassada (ou um pesadelo evanescente) varrida e carregada para longe, heraclitianamente deslocada, opu nietzschenianamente, paisagem de aglomerações e inundações e todas as formas de imposições inconcebíveis, espasmos e fraturas, influências cruzadas, contrações – como Dionísio ou Gilles Deleuze, decidiram apropriar-se sobre a arquitetura. Propriedade privada jamais existiu. Foi um cruel engodo, horrenda patifaria, no máximo um desafortunado equívoco.
Hoje, muitas categorias, ambas concretas e abstratas, estão deslocadas no ar. Noções de classe, progresso, espécie, lugar e sentido, estão sob assalto ou pisoteadas. Algumas, tal como a família, tem tido suas bordas inclusivamente expandidas, outras, tal como a cidadania, está sendo ainda exclusivamente contraída. Outras ainda, tal como a responsabilidade, tem, simplesmente, desaparecida. Por fim, estão desfocadas, indistintas. Talvez, o conceito de categoria esteja em si mesmo ultrapassado ou perdeu seu lugar. Até mesmo a noção de ultrapassado possa estar ultrapassada, desde que nela pareçam estar muitos e diferentes fusos-horários através do globo, uma única cidade ou mesmo uma moradia. Isto nos reporta ao problema de tempo e distância, de história, contemporaneidade e o futuro.
Isto me conduz à segunda proposição: nós devemos criar novos conceitos, desterritorializar velhos hábitos, inventar o novo, reutilizar velhas estruturas e reconstruir e/ou produzir outros tipos de espaços a fim de negociar com todos os colapsos, apreensões, cercos, migrações, e escassez, ao mesmo tempo concretos e conceituais. Certos conceitos e categorias tem criado vários impasses e obstruções no entendimento do que a arquitetura pode fazer e tem prejudicado a possibilidade de uma transformação dos espaços sociais que estão fora dos esquemas de planejamento urbano, interesse nacional e propriedade privada. Nós precisamos de conceitos que possam reconfigurar noções tais como eficiência, autonomia e comunidade – produtos que também poucos podem se dar ao luxo. Isto não é apenas um problema teórico. Conceitos não constituem a totalidade do pensamento, mas eles são espaços de pensamento, paisagens povoadas na totalidade pelas possibilidades e impossibilidades que ligam nossa intenção com desejo e edifica e ilumina nossas metas. Conceptibilidade, visibilidade, utilidade, ação, propósito, e julgamento são todos modelados pelos conceitos, limitados pelos conceitos, iluminados ou obscurecidos pelos conceitos. A criação de conceitos estabelece um tipo de espaço que é apenas parcial no tempo histórico e espaço cultural. Sua outra metade está fora, prematura, um membro autônomo se estendendo rumo à transformação através da multiplicidade. Os trabalhos de Woods são engajados e fazem um apelo à produção de conceitos que possam responder aos problemas do meio urbano. Eles fazem um apelo à reconstrução radical. Examinando estes desenhos eu não posso deixar de pensar como Spinoza: nós ainda não sabemos o que um edifício pode fazer.
Todo espaço projetado é, de fato, pura abstração, mais verdadeiro para um sistema matemático do que para qualquer função humana. Woods 1997.
Eu não reivindico que a arquitetura está em crise porque a maior parte dela não está. Se alguns arquitetos se sentem à deriva ou perdidos devido à falta de uma tendência dominante ou ideologia abrangente, ou se o público está inseguro das intenções e lógica por trás do mais recente esforço pós-moderno está fora de questão. Arquitetura como arquitetônica, como a criação de estruturas que distribuem funções internas (um banheiro aqui, uma recepção ali), e através dos lugares (um edifício de escritórios aqui, uma unidade habitacional de baixa renda em algum lugar ali), é precisamente dedicada para o deslocamento de crises. Edifícios específicos tem sido objeto de oposição, protesto, e muitos tem sido tempestuosos, ocupados, e/ou destruídos, mas isto não é realmente uma outra questão. Mas o ponto permanece: aquelas áreas que são consideradas em crise inevitavelmente requerem um novo edifício, novo desenvolvimento, ou então a história passa. A renovação de programas urbanos de final dos anos setenta e início dos oitenta, que apontam para restaurar cidades através da construção de negócios de capital intensivo, consumidor e zonas turísticas – tais como o cais de Baltimore, são marcos referenciais.
Woods tem elegido três lugares específicos para pensar a reconstrução radical. Outros lugares terão destinatários igualmente adequados. Destinatário é uma boa palavra neste contexto já que estes desenhos são, em algum sentido, uma carta; são explícitos para quem são endereçados – o povo de Sarajevo, Havana e São Francisco – e ignorados. Estes desenhos não são planos; eles não são muito sobre dispor alguma coisa como aproximar ou permitir atravessar; um evento/cena sempre envolve um rebelar-se, irradiar-se ou igualmente uma insurreição. Woods reivindica que existe uma proximidade entre aquelas três cidades, como se elas fosse vizinhas no bojo de uma grande cidade. Informação e sistema de transporte são, muitas vezes, atribuídos como conectando lugares distantes. Uma cultura global tem, supostamente, sido criada, mas o que tem conectado? Cultura global é simplesmente a extensão de alguma cultura local ou se origina de influências culturais construídas pela via de sistemas tecnológicos? Ela é uma entidade emergente não redutível a qualquer ou a todos os seus constituintes? As questões estão se sobrepondo, ainda que pareçam gravitar em torno de dois conceitos: moradia e circulação. Nossa tarefa é redefinir o que é relevante pensar sobre arquitetura: nós devemos questionar hábitos específicos e categorias que limitam nossa compreensão do que a arquitetura pode fazer.
Enquanto o “grande nome” arquitetura é projetado para o ponto de convergência da cultura global – estações de trens e pontos de ônibus, terminais marinhos, correios e aeroportos, muitos dos desenhos de Woods representam conjuntos arquiteturais de estruturas que parecem impossíveis, inconcebíveis, ou, enfim, misteriosas (fantasmagóricas), apesar de serem visualmente traduzidas. Nestes trabalhos, Woods explora um não-pensado em arquitetura e um não-vivido na vida cotidiana.
WOODS, Lebbeus – Radical Reconstruction. New York, Princeton Architectural Press, 1997.
Tradução – Edite Carranza, Ricardo Carranza – prof. Maria Conceição Delbel – IDÉE idiomas
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